segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Carta a Pessoa(S)










Decidi escrever.te.Mas antes de te escrever pensei na forma como te deveria tratar. Se por você, se por senhor, se por senhor Pessoa(S)...Enfim uma infinidade de formas me vieram à cabeça mas eu decidi optar pela mais simples, por tu.
Perdoa esta minha franqueza mas sinceramente acho que não mereces um tratamento VIP qualquer, apenas porque és um dos grandes senhores do nosso querido e (mal) amado português.
Resolvi também tratar.te desta forma mais informal, porque considero que o teu espírito permaneceu sempre jovem e boémio, e a tua alma foi sempre sofrida e atormentada tal como a de um jovem quando pensa que vida pior que a sua é impossível Ambos sabemos que é mentira. Um jovem é sempre um jovem, mesmo em relação aos seus problemas.
Admiro.te. Acho que no fundo nasci para te admirar. Gostava de ter vivido no teu tempo, de ter sido a 'tua Ofélia', de te ter amado, de ter compartilhado contigo a dor do vazio e ao mesmo tempo de quem se sente tão cheio, mas sempre cheio de nada. Aquele nada que tem um eco tão grande que basta para nos assustar.
Sabes o que mais me assusta?!A solidão. Sentir.me só, mesmo vivendo rodeada de pessoas. Será que só eu vejo que tudo e tão complexo?!Os sentimentos são complexos, magoam e cansam. Dói.me a alma de sentir tudo, e de nada sentir.
Não te conheço e fazes.me tanta falta. Sinto.me só num mundo que há muito não me pertence. Num mundo em que tento ser feliz e não consigo. Cansa.me.Cansa.me tentar sê.lo e também me cansa não o ser.
Vês porque digo que permaneces.te jovem?!Permaneces.te complexo e, também fiel a ti mesmo. Ensinas.me a ser como tu?! Eu tal como tu busco a felicidade, a tal coisa que todos julgam ser ideal e extremamente necessária para se viver.Talvez ate o seja...Afinal quem sou eu para criticar quem quer que seja?! Talvez ao tentar ser tão diferente, sou tão igual. Sinto.me cansada...
Como um dia escreveu Bernardino Soares, um teu amigo não para toda a vida, mas sim para o momento:
'Tinha.me levantado cedo e tardava a preparar.me para existir'
Já tinhas pensado bem nisto?!Eu já. Dou.lhe razão. Começamos tudo demasiado cedo para mostrar ao mundo que já existimos e demora tanto a acontecer. Demoramos tanto tempo a existir. Mas sabes o que e mais irónico?!Demoramos ainda mais tempo a existir para nos.~
E agora eu sei.o, porque também tu demoras.te tanto tempo a existir para ti.
Agora não sei que te deva dizer mais. Soube.me bem escrever.te. Gostava de te ter conhecido, de ter travado contigo grandes discussões...De ter aprendido contigo tudo aquilo que mais ninguém me pode ensinar.
Obrigada pelo teu testemunho. Obrigada pelo teu contributo para um melhor conhecimento do 'eu'. Não somos um, somos quantos espelhos a nossa alma tiver. Devo.te a ti a minha busca pelo conhecimento, pela felicidade e talvez até pelo amor.
Lamento pela Ofélia, lamento não ter vivido por ela. Sinto pena de nunca te ter tido, de nunca teres sido verdadeiramente meu.
Contudo, deixas.me, ainda assim, um grande legado. Legado esse que pretendo manter, vivo dentro de mim. Este vazio que de certa forma me preenche, porque é o teu vazio.
Como não me consigo lembrar de mais nenhuma outra forma para acabar a carta decidi que terminasse da seguinte forma:




Recorda.me.
Ainda que não tenha sido tua.
Recorda.me!




3 comentários:

  1. Perfeita! :)E com o teu carimbo sem dúvida ;)

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  2. É muito bom ver-te (de novo) escrever assim.....
    Com a tua alma a tocar as tuas palavras....
    Sem dúvida que ele te vai recordar....

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  3. Rute :) Ai como sinto os teus sentimentos tão meus... esse Pessoa que marca e encanta... Também gostava de ter sido a Ofélia :D Deixo-te uma carta de Amor escrito dele para ela :)


    CARTA A OFÉLIA QUEIRÓS - 27 DE ABRIL DE 1920


    Meu Be«be»zinho lindo:

    Não imaginas a graça que te achei hoje á janella da casa de tua irmã! Ainda bem que estavas alegre e que mostraste prazer em me ver (Álvaro de Campos).

    Tenho estado muito triste, e além d'isso muito cansado - triste não só por te não poder ver, como também pelas complicações que outras pessoas teem interposto no nosso caminho. Chego a crer que a influência constante, insistente, hábil d'essas pessoas; não ralhando contigo, não se oppondo de modo evidente, mas trabalhando lentamente sobre o teu espírito, venha a levar-te finalmente a não gostar de mim. Sinto-me já differente; já não és a mesma que eras no escriptorio. Não digo que tu própria tenhas dado por isso; mas dei eu, ou, pelo menos, julguei dar por isso. Oxalá me tenha enganado...

    Olha, filhinha: não vejo nada claro no futuro. Quero dizer: não vejo o que vãe haver, ou o que vãe ser de nós, dado, de mais a mais, o teu feitio de cederes a todas as influencias de familia, e de em tudo seres de uma opinião contraria á minha. No escriptorio eras mais dócil, mais meiga, mais amorável.

    Enfim...

    Amanhã passo á mesma hora no Largo de Camões. Poderás tu apparecer à janella?

    Sempre e muito teu
    Fernando

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